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Com o intuito de driblar a entrada em vigor do tarifaço imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a China acelerou os embarques e, com isso, as exportações bateram recorde no mês de março.
As exportações da China cresceram 12,4% no mês passado em relação ao ano anterior. Em janeiro e fevereiro, haviam crescido 2,3%.
Em meio à escalada na guerra comercial entre os dois países, o governo chinês elevou, no sábado (12), de 84% para 125% as sobretaxas cobradas de produtos importados dos EUA, em mais uma resposta ao tarifaço de Trump aos itens comprados da China.
“A imposição por parte dos Estados Unidos de tarifas anormalmente elevadas contra a China viola gravemente as normas comerciais internacionais, as leis econômicas básicas e o bom senso”, afirmou a Comissão Tarifária do Conselho de Estado de Pequim em um comunicado divulgado pelo Ministério das Finanças na sexta-feira (11).
Apesar do bom resultado de março para a China, analistas já prospectam um impacto significativo nos fluxos comerciais globais e nos investimentos empresariais.
Ainda na noite de sexta-feira passada, Trump, anunciou alívio nas chamadas “tarifas recíprocas” para produtos tecnológicos, como smartphones, laptops e semicondutores, o que fez com que os mercados globais respondessem positivamente nesta segunda-feira (14).
Porém, o republicano disse depois que a medida deve ter caráter temporário. “É óbvio que o Trump recebeu uma pressão da ‘turminha das big techs’ que foi lá na posse dele, que está bajulando ele desde o começo”, disse o economista e fundador do ICL, Eduardo Moreira, durante participação no ICL Notícias 1ª edição desta segunda.
Como disse Moreira, Trump muda de ideia aos sabor de seu humor. Portanto, fica difícil prever o que virá no futuro.
Exportações de março da China serão ofuscadas
Diante dos constantes blefes de Trump, analistas já preveem que os bons números das exportações chinesas serão ofuscados, pois o mercado vive de expectativas que são frustradas constantemente devido ao vai e vem da política tarifária do presidente dos EUA. Portanto, preveem que os embarques devem cair nos próximos meses.
Isso porque Trump impôs tarifas de 10% sobre todas as importações chinesas nos Estados Unidos a partir de 4 de fevereiro, e seguiu com mais 10% em março, acusando Pequim de não fazer o suficiente para conter o fluxo de fentanil para os EUA.
Com o pacote batizado por Trump de “tarifas recíprocas”, as sobretaxas à China atingem a marca de 145%, o que provocou o último revide do governo chinês.
Ainda que a China seja a segunda maior economia do mundo, o país não deve passar ileso ao tarifaço, uma vez que a economia não possui o mesmo vigor de antigamente. Há problemas com o setor de construção, que já foi o motor econômico chinês, e com a demanda interna.
Enquanto ninguém consegue prever o que vai na cabeça de Trump, o governo chinês promete lutar até o fim para proteger o país.
Na semana passada, o Goldman Sachs reduziu sua previsão de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) da China para 2025 de 4,5% para 4%, citando os efeitos das tarifas.
Por sua vez, o Citi cortou sua estimativa de 4,7% para 4,2% dois dias antes. Essas previsões revisadas estão bem abaixo da meta oficial de crescimento do governo, que é em torno de 5%.
(Folhapress) – Um carro foi engolido por uma cratera que se abriu na avenida Ermelino Matarazzo, na zona leste da capital paulista, na madrugada desta segunda-feira (14). O asfalto cedeu após as fortes chuvas que atingiram a cidade.
A Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) informou que equipes foram encaminhadas para o local para verificar a situação.
O carro trafegava pela avenida quando caiu o asfalto cedeu e ficou preso no buraco que se formou. Não há informações sobre feridos.
Uma outra cratera também vem causando transtornos aos motoristas. O buraco, que fica no acesso da pista local para expressa da marginal Tietê, na região da Vila Anastácio (zona oeste de SP), na saída da rodovia dos Bandeirantes, apareceu após a chuva na última quinta-feira.
Esta é a outra cratera, aberta na marginal Tietê. (Reprodução/TV Globo)
A Sabesp previa concluir o reparo até a manhã desta segunda, mas as obras atrasaram por causa da chuva desta madrugada.
“A Sabesp informa que concluiu a fase de aterramento do local e que agora está na fase da recomposição asfáltica. Esse trabalho teve de ser suspenso devido à forte chuva na noite deste domingo e madrugada desta segunda, o que impede a fixação do pavimento”, disse a companhia, em nota.
O período para solicitar a isenção da taxa de inscrição no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2025 será entre 14 e 25 de abril.
A isenção da taxa de inscrição deve ser solicitada exclusivamente pela Página do Participante, com o login único do portal de serviços do governo federal, o Gov.br.
Para solicitar a isenção de pagamento da taxa de inscrição para o Enem 2025, o participante deve informar o número de seu Cadastro de Pessoa Física (CPF) e a data de nascimento. Os dados pessoais devem ser iguais aos cadastrados na Receita Federal.
Quem pode pedir a isenção
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) prevê a gratuidade para:
Matriculados no 3º ano do ensino médio em escola pública (em 2025), em qualquer modalidade de ensino (regular ou educação de jovens e adultos – EJA);
Estudantes que cursaram todo o ensino médio em escola pública ou como bolsista integral em escola privada;
Estudantes com renda mensal igual ou inferior a um salário mínimo e meio (R$ 2.277, em 2025);
Pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica com registro ativo no Cadastro Único para
Programas Sociais (CadÚnico) do governo federal.
Participantes do programa Pé-de-Meia, do Ministério da Educação (MEC).
Baseado nesta lista, os candidatos deverão comprovar o cumprimento dos requisitos para conseguir a isenção da taxa de inscrição no Enem.
Os documentos aceitos para a solicitação da gratuidade estão descritos no Anexo II do edital. Entre eles, a declaração escolar que comprove estar cursando a última série do ensino médio em 2025, na rede pública; e comprovante da renda declarada.
Mais de 3 milhões de brasileiros fizeram o ENEM em 2024. Foto: shutterstock
Justificativa de ausência
O candidato que teve a gratuidade da taxa de inscrição do Enem do ano passado, mas não compareceu a um ou dois dias de provas, na edição de 2024, e ainda quer participar da edição de 2025 gratuitamente terá que justificar a ausência.
De acordo com o edital, o prazo para fazer a justificativa será o mesmo do pedido de isenção da taxa de inscrição: de 14 até as 23h59 de 25 de abril.
A justificativa de ausência no Enem 2024 é realizada no mesmo sistema de solicitação de isenção da taxa de inscrição, a Página do Participante.
O Inep avisa que não serão aceitos documentos autodeclaratórios ou emitidos por pais ou responsáveis do candidato.
Cronograma
Em 12 de maio, o Inep irá divulgar os resultados das solicitações de isenção da taxa e, também, se foram aceitas as justificativas de ausência em 2024 para nova gratuidade.
O período de recursos será entre 12 a 16 de maio. O resultado dos recursos sairá em 22 de maio.
Somente após este cronograma, o MEC abrirá o período oficial de inscrições na edição deste ano do Enem. Ainda será publicado um edital específico com as datas e regras.
Enem
Instituído em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio avalia anualmente o desempenho escolar dos estudantes ao término do ensino médio. Os participantes que ainda não concluíram o ensino médio podem participar como treineiros, e os resultados obtidos no exame servem somente para autoavaliação de conhecimentos.
As notas do Enem podem ser usadas em processos seletivos coordenados pelo Ministério da Educação, como Sistema de Seleção Unificada (Sisu), o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) do governo federal.
O desempenho no Enem também é considerado para ingresso em instituições de educação superior de Portugal que têm acordo com o Inep. Os acordos garantem acesso facilitado às notas dos estudantes brasileiros interessados em cursar a educação superior naquele país.
O exame também é aplicado a pessoas privadas de liberdade ou sob medidas socioeducativas, em datas diferentes do Enem regular.
A informação do afastamento foi divulgada pelo ministério na noite desta sexta-feira (11).
O Ministério das Relações Exteriores informou que foi notificado a respeito da informação de que partiu do celular do funcionário do órgão, Aldegundes Batista Miranda, as palavras agressivas com relação aos indígenas. A fala foi gravada durante reunião virtual no dia 9 de abril.
O servidor da carreira diplomática ocupava uma função administrativa no Setor de Proteção a Pessoas e ao Patrimônio (SEPRO) da Divisão de Recursos Logísticos do Itamaraty.
A reunião aconteceu na véspera da manifestação promovida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) em frente ao Congresso Nacional, dentro da programação do Acampamento Terra Livre (ATL), que reuniu mais de 7 mil indígenas de diversos povos de todo o país em Brasília.
Protesto de indígenas em Brasília
O ato dos povos indígenas tinha como objetivo a defesa de direitos constitucionais e o fortalecimento do diálogo com os Poderes da República.
Uma forte repressão policial, no entanto, avançou contra o protesto por parte do Departamento de Polícia Legislativa (DPOL) e da Polícia Militar do DF, com uso de bombas de gás de pimenta e efeito moral.
A deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) ficou ferida e diversos outros participantes também.
Após a manifestação, viralizou um áudio da reunião ocorrida na SSP-DF em que um dos participantes diz: “Deixa descer logo… deixa descer e mete o cacete se fizer bagunça.”
Nesta sexta, o Itamaraty reconheceu o servidor e informou que “O Ministério das Relações Exteriores deplora o ocorrido e esclarece que o funcionário não foi instruído a manifestar-se nos termos noticiados”, disse em nota.
O Ministério acrescentou ainda que o caso foi remetido à Corregedoria para apuração de responsabilidade.
Nesta seção, o portal ICL Notícias resgata textos, imagens e sons que façam o leitor dar uma pausa na marcha imediata e angustiante dos fatos para refletir com autores geniais do Brasil e de outros países.
De repente os olhos bem abertos. E a escuridão toda escura. Deve ser noite alta. Acendo a luz da cabeceira e para o meu desespero são duas horas da noite. E a cabeça clara e lúcida. Ainda arranjarei alguém igual a quem eu possa telefonar às duas da noite e que não me maldiga. Quem? Quem sofre de insônia? E as horas não passam. Saio da cama, tomo café. E ainda por cima com um desses horríveis substitutos do açúcar porque Dr. José Carlos Cabral de Almeida, dietista, acha que preciso perder os quatro quilos que aumentei com a superalimentação depois do incêndio. E o que se passa na luz acesa da sala? Pensa-se uma escuridão clara. Não, não se pensa. Sente-se. Sente-se uma coisa que só tem um nome: solidão. Ler? Jamais. Escrever? Jamais. Passa-se um tempo, olha-se o relógio, quem sabe são cinco horas. Nem quatro chegaram. Quem estará acordado agora? E nem posso pedir que me telefonem no meio da noite pois posso estar dormindo e não perdoar. Tomar uma pílula para dormir? Mas e o vício que nos espreita? Ninguém me perdoaria o vício. Então fico sentada na sala, sentindo. Sentindo o quê? O nada. E o telefone à mão.
Mas quantas vezes a insônia é um dom. De repente acordar no meio da noite e ter essa coisa rara: solidão. Quase nenhum ruído. Só o das ondas do mar batendo na praia. E tomo café com gosto, toda sozinha no mundo. Ninguém me interrompe o nada. É um nada a um tempo vazio e rico. E o telefone mudo, sem aquele toque súbito que sobressalta. Depois vai amanhecendo. As nuvens se clareando sob um sol às vezes pálido como uma lua, às vezes de fogo puro. Vou ao terraço e sou talvez a primeira do dia a ver a espuma branca do mar. O mar é meu, o sol é meu, a terra é minha. E sinto-me feliz por nada, por tudo. Até que, como o sol subindo, a casa vai acordando e há o reencontro com meus filhos sonolentos.
Clarice Lispector é uma escritora brasileira. Ela nasceu na Ucrânia, mas chegou ao Brasil quando tinha dois anos. Mais tarde, fez faculdade de Direito, morou em diversos países em companhia do marido cônsul, publicou muitos livros e também atuou como jornalista.
A autora, que faleceu em 9 de dezembro de 1977, no Rio de Janeiro, faz parte da terceira geração modernista (ou pós-modernismo). Suas obras apresentam fluxo de consciência, fragmentação e metalinguagem, características que podem ser observadas em A hora da estrela, um de seus livros mais conhecidos.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) precisou ser submetido a uma cirurgia “extensa” e de “grande porte” para remover aderências e reconstruir a parede abdominal.
Segundo o boletim médico divulgado no domingo (13/4), o procedimento realizado em Brasília durou cerca de 12 horas, “transcorreu sem intercorrências e não exigiu transfusão de sangue“.
“No momento, o ex-presidente encontra-se internado na Unidade de Terapia Intensiva [UTI], clinicamente estável, sem dor, e recebe suporte clínico, nutricional e medidas de prevenção de infecções“, conclui a nota.
O cardiologista Leandro Echenique, que acompanha Bolsonaro, destacou que procedimentos do tipo podem levar “a uma série de intercorrências”.
“Há o aumento do risco de algumas infecções, de precisar de medicamentos para controlar a pressão. Há um aumento do risco de trombose, problemas de coagulação do sangue…”, detalhou o médico durante entrevista coletiva nesta segunda-feira (14/4).
“Todas as medidas preventivas serão tomadas, por isso que ele se encontra na UTI neste momento.”
Echenique acrescentou que o pós-operatório de Bolsonaro será “muito delicado e prolongado” e que não há previsão de alta.
Já o cirurgião Cláudio Birolini, chefe da equipe que realizou o procedimento, descreveu o abdômen do ex-presidente como “hostil”, por causa das múltiplas cirurgias as quais ele precisou ser submetido.
“Isso já antecipava que seria um procedimento bastante complexo e trabalhoso”, comentou Birolini a jornalistas.
O ex-presidente sentiu fortes dores no abdômen, apresentou dificuldades para comer e na digestão e foi internado às pressas.
Ele foi transferido para Natal, a capital do Estado, e depois levado numa UTI móvel até Brasília, onde passou pela cirurgia.
Médicos ouvidos pela BBC News Brasil explicam que o surgimento das tais aderências — uma espécie de cicatriz fibrosa — pode acontecer diante de qualquer procedimento nessa região do corpo.
Mas não se sabe ao certo os fatores que levam a esse quadro ou os motivos de alguns pacientes o desenvolverem e outros não.
Quem apresenta aderências e sofre com quadros de obstrução intestinal, como Bolsonaro, costuma ser tratado de forma conservadora, com jejum e sondas, mas podem precisar de cirurgias para resolver o problema.
No entanto, esses procedimentos aumentam o risco de novas aderências — e de novas intervenções.
O que causa as obstruções intestinais de Bolsonaro?
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No dia seguinte, Bolsonaro foi transferido para um hospital em São Paulo, onde passou por uma segunda cirurgia em 12 de setembro.
O objetivo era retirar as primeiras aderências — uma espécie de cicatriz fibrosa que surgiu após a primeira operação — que obstruíam seu intestino.
Os cirurgiões aproveitaram o procedimento para corrigir uma fístula — um canal de comunicação anômalo que surge no corpo — desenvolvida em uma das suturas feitas durante a primeira operação.
Em entrevista à BBC News Brasil, o médico Raphael Di Paula, chefe de cirurgia oncológica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, explica que as aderências podem surgir quando o peritônio, uma membrana que reveste o interior do abdômen, é violado.
“Toda vez que você entra na cavidade abdominal para fazer qualquer procedimento, dos mais simples aos complexos, pode gerar processos aderenciais”, comenta o médico, que não esteve envolvido diretamente com o caso de Bolsonaro.
“A partir do momento em que você faz uma intervenção ali, pode gerar uma espécie de irritação ou inflamação que leva às cicatrizes e aderências.”
Di Paula pontua que não existem fatores de risco ou características conhecidas que explicam os motivos de alguns pacientes desenvolverem essas reações, enquanto outros nunca têm esse problema.
Uma das únicas razões, segundo ele, são as perfurações intestinais — quando as paredes desse órgão sofrem algum tipo de rompimento e parte do conteúdo interno extravasa para o resto do abdômen.
Sabe-se que isso aconteceu com Bolsonaro: a facada chegou a perfurar um trecho do intestino dele.
Por que problema é recorrente?
Em janeiro de 2019, já no cargo de presidente, Bolsonaro fez uma terceira cirurgia — dessa vez, para retirar a bolsa de colostomia que coletava as fezes a partir de um orifício aberto no abdômen.
Na ocasião, os médicos constataram uma grande quantidade de aderências no sistema digestivo dele.
Na prática, o processo de cicatrização pós-cirúrgico estava fazendo com que trechos do intestino dele se colassem.
Mas isso traz um problema: os intestinos realizam uma série de movimentos para “empurrar” a comida, digerir os nutrientes e descartar o que sobra na forma de fezes.
As aderências, no entanto, “prendem” ou “amarram” esses órgãos, deixando-os sem a mobilidade necessária para funcionar adequadamente.
Isso pode gerar dobras no tubo digestivo que impedem a passagem de alimentos e enzimas muito importantes.
O gastroenterologista e cirurgião Flávio Quilici, professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, explica à BBC News Brasil que os intestinos têm uma estrutura parecida a de canos ou mangueiras.
“Se você pisar na mangueira ou entrar alguma pedra ali dentro, isso causa um entupimento que não deixa a água passar”, diz Quilici.
O mesmo raciocínio se aplica ao nosso tubo digestivo: caso alguma coisa fique emperrada ali dentro, não há como o conteúdo transitar pelos órgãos e seguir adiante.
Bolsonaro ainda passou por operações para corrigir hérnias — pequenos escapes do intestino na parede abdominal relacionadas às inúmeras incisões e intervenções — em setembro de 2019 e setembro de 2023.
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Como é o tratamento de uma obstrução intestinal?
Di Paula explica que, na maioria das vezes, o tratamento da obstrução intestinal não envolve cirurgias.
O primeiro passo é deixar o paciente em jejum e passar uma sonda nasogástrica (que vai do nariz até o estômago).
O objetivo aqui é reduzir a presença de gases e líquidos que estão apertados no sistema digestivo e geram sintomas como inchaço e dor.
Esses tratamentos aliviam o quadro — com isso, o intestino pode desobstruir e voltar a funcionar normalmente.
No entanto, há casos em que esse órgão está muito dobrado e não há jeito dele retornar ao normal. O caminho, então, é partir para um procedimento mais invasivo.
O tamanho da operação vai depender do grau da obstrução.
“Há casos em que você tem só uma brida [uma cicatriz fibrosa], que lembra muito a corda mais grossa de um violão. Daí você precisa ir até o local, em um procedimento minimamente invasivo, e cortar. É um segundo, e acabou”, afirma Di Paula.
Em outras situações, as aderências são mais extensas. Daí é necessário fazer uma cirurgia convencional, abrir o abdômen e remover todas as cicatrizes que grudam os intestinos e os demais órgãos dessa região.
Di Paula detalha que essas intervenções podem ser “absurdamente complexas” e demorar horas. No caso de Bolsonaro, ele passou desta vez 12 horas na sala de cirurgia.
“Muitas vezes, é necessário remoldar todas as alças intestinais. Precisamos praticamente esculpir novamente o órgão, até soltar tudo e achar o ponto onde está a obstrução”, complementa ele.
Alguns pacientes apresentam quadros de necrose, ou morte de um trecho do tecido intestinal. Nessas situações, o cirurgião precisa fazer cortes para remover as partes afetadas e reconectar o órgão novamente.
Di Paula diz que, apesar de complexos e demorados, esses procedimentos costumam ter “um prognóstico muito bom”, com um restauro completo do trânsito intestinal.
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Como evitar novas cirurgias
A questão é que essas operações também aumentam o risco de novas aderências no futuro.
Por um lado, elas são necessárias para resolver a obstrução intestinal e restabelecer o fluxo do sistema digestivo.
Por outro, em pacientes que já tem histórico, elas representam um risco de novos processos de fibrose e formação de cicatrizes — que, por sua vez, podem diminuir ainda mais a mobilidade do abdômen e causar novas obstruções.
“Quanto mais o peritônio é violado, quanto mais mexemos nessas alças intestinais e no abdômen, maior o risco de novas aderências. A tendência é que elas fiquem mais fortes, firmes e complicadas”, lembra Di Paula.
“Isso não quer dizer que o paciente vai ter necessariamente novas obstruções, mas ele apresenta uma probabilidade maior de sofrer com esse quadro novamente”, pondera ele.
Infelizmente, não existe nada que possa ser feito para evitar a formação das aderências e o desenvolvimento de bloqueios no intestino.
“A gente precisa contar com a chance daquilo não acontecer de novo”, diz ele.
“Não existe uma recomendação para o paciente fazer mais ou menos atividade física, deixar de comer alguma coisa, acrescentar algo na dieta, tomar um medicamento… Infelizmente, não há nenhuma evidência de algo que seja indicado nesses casos”, prossegue.
“É preciso apenas manter um acompanhamento do quadro clínico”, conclui.
Em coletiva de imprensa, a equipe médica que está tratando de Jair Bolsonaro (PL) disse nesta segunda-feira (14/04) que o ex-presidente segue na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) sem previsão de alta.
“Todas as medidas preventivas estão sendo tomadas, ele está na UTI nesse momento. Vai ser um pós-operatório complicado e prolongado. Não há previsão (de alta)”, dizsse o médico Leandro Echenique.
Mais cedo nesta segunda, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro havia escrito nas redes sociais que Bolsonaro havia ido para o quarto.
“Meu amor já está no quarto”, escreveu ela, no Instagram. Mas, segundo a equipe médica, a recuperação do ex-presidente vai ser “lenta”.
“A situação do presidente era de um abdômen hostil, várias cirurgias prévias e uma parede abdominal bastante prejudicada. Isso nos antecipava que seria um procedimento complexo e trabalhoso’, disse Cláudio Birolini, médico que chefia a equipe cirúrgica.
“Não tenham expectativa de uma recuperação rápida”, completou Birolini.
O procedimento cirúrgico do domingo, no hospital DF Star em Brasília, começou pouco depois das 10h de domingo e durou cerca de 11 horas.
Às 21h20, Michelle Bolsonaro postou que a cirurgia teve sucesso.
O hospital DF Star divulgou uma nota na qual classificou a operação como um “procedimento de grande porte”, que ocorreu sem intercorrências ou necessidade de transfusão de sangue.
“A obstrução intestinal era resultante de uma dobra do intestino delgado que dificultava o trânsito intestinal e que foi desfeita”, afirma a nota.
Bolsonaro precisou ser internado às pressas na sexta-feira (11/4) após passar mal e sentir fortes dores na região do abdômen.
Ele participava de um evento na cidade de Santa Cruz, no Rio Grande do Norte, e foi atendido primeiro em um hospital local. Na sequência, ele foi transferido de helicóptero para o Hospital Rio Grande, na capital do Estado.
No sábado (12), ele foi transferido novamente, desta vez para o Hospital DF Star, em Brasília. No local, ele foi reavaliado e submetido a novos exames laboratoriais e de imagem “que evidenciaram persistência do quadro de subobstrução intestinal”, segundo sua equipe médica.
“As equipes que o assistem [Bolsonaro] optaram de comum acordo pelo tratamento cirúrgico. Ele está sendo submetido neste momento ao procedimento cirúrgico de laparotomia exploradora, para liberação de aderências intestinais e reconstrução da parede abdominal”, dizia o boletim médico divulgado na manhã deste domingo.
O ex-presidente já havia adiantado que o procedimento cirúrgico era uma possibilidade. “Em Brasília ou em São Paulo, após minha transferência, provavelmente passarei por uma nova cirurgia”, afirmou em uma postagem no X no sábado.
“Passamos a vida prontos pra qualquer batalha: política, jurídica, eleitoral, física até… Mas às vezes o que nos derruba não é o inimigo de fora, é o nosso próprio corpo”, escreveu.
Bolsonaro disse ter ouvido do médico Claurio Birolini, que o acompanha, que “este foi o quadro mais grave desde o atentado que quase me tirou a vida em 2018”.
“Estou estável, em recuperação, e mais uma vez cercado por profissionais competentes, a quem só posso agradecer”, afirmou.
Disse ainda que “em breve estarei de volta para lutar pela anistia dos presos políticos e por um país mais livre e mais próspero, como o povo brasileiro merece”.
Ainda no Rio Grande do Norte, Bolsonaro foi diagnosticado com um quadro de obstrução intestinal.
Segundo relatos de pessoas próximas a Bolsonaro, ele já reclamava de incômodos intestinais nos últimos dias.
O médico do ex-presidente, Antônio Luiz Macedo, disse à CNN que Bolsonaro apresentou, além das dores, dificuldades para comer e na digestão, por conta de uma distensão intestinal. O quadro se caracteriza por um inchaço no abdômen, que pode ser derivado de uma inflamação.
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Desde que foi vítima de um atentado a faca na campanha das eleições de 2018, o ex-presidente teve alguns episódios de obstrução intestinal — quando um trecho desse órgão sofre um bloqueio — e precisou ficar internado para fazer tratamentos.
Ele já passou por cinco cirurgias abdominais, três delas delicadas, segundo sua equipe médica.
Entenda a seguir o que é a obstrução intestinal e por que ela costuma acontecer em casos como o de Bolsonaro.
O que é obstrução intestinal?
Como o próprio nome já diz, o quadro está relacionado ao bloqueio de parte do intestino delgado ou do intestino grosso.
Essa obstrução impede a passagem de alimentos e enzimas digestivas que, ao longo dos intestinos, estão envolvidos em uma série de processos para extrair nutrientes e descartar aquilo que não será aproveitado pelo corpo, formando as fezes.
O gastroenterologista e cirurgião Flávio Quilici, professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, explica que os intestinos têm uma estrutura parecida a de canos ou mangueiras.
“Se você pisar na mangueira ou entrar alguma pedra ali dentro, isso causa um entupimento que não deixa a água passar”, diz.
O mesmo raciocínio se aplica ao nosso tubo digestivo: caso alguma coisa fique emperrada ali dentro, não há como o conteúdo transitar pelos órgãos e seguir adiante.
O que causa a obstrução intestinal?
Esse entupimento pode ser provocado por uma série de fatores, como doenças inflamatórias (caso de Crohn e diverticulite), tumores e até alimentos secos e duros (como sementes de jabuticaba, por exemplo).
No caso específico de Bolsonaro, os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que o quadro está de fato possivelmente relacionado às várias cirurgias que ele precisou passar após sofrer a facada em 2018.
De acordo com o médico Lúcio Lucas, chefe do centro cirúrgico do Hospital Sírio-Libanês em Brasília, as operações no abdômen levam a um processo de cicatrização, que pode resultar na perda da movimentação do intestino.
“Para funcionar a contento, o tubo digestivo se mexe constantemente. E essa mobilidade pode ser prejudicada pela formação do processo cicatricial após os procedimentos cirúrgicos”, contextualiza.
Um intestino mais “rígido” e com algumas estruturas cicatrizadas que grudam umas nas outras, portanto, pode sofrer uma espécie de torção, que obstrui parcialmente ou totalmente a passagem dos alimentos — é como se a mangueira do exemplo anterior se dobrasse por completo.
Vale ressaltar que essa é uma hipótese provável no caso do presidente, mas que ainda precisa ser confirmada pelos profissionais que o acompanham.
Quais os sintomas da obstrução intestinal?
Esse problema pode evoluir aos poucos e só dar sinais mais contundentes no momento em que a situação está mais grave.
“Os soluços são um sintoma da obstrução, especialmente quando ela acontece em algumas regiões do intestino delgado”, observa Lucas.
Essa condição também costuma estar relacionada com inchaço e dores fortes na barriga.
Quilici diz que é possível detectar a obstrução intestinal no exame físico, feito no próprio consultório, especialmente quando o paciente tem um histórico de cirurgias na região do abdômen.
“Podemos também fazer uma radiografia ou uma tomografia para encontrar essa obstrução”, complementa.
Esses exames são de rotina quando um paciente é internado com os sintomas de Bolsonaro, segundo médicos ouvidos pela BBC News Brasil.
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O que é feito após o diagnóstico?
Dependendo da causa, da gravidade e do local onde a obstrução ocorreu, o médico opta pelo tratamento conservador ou pela cirurgia.
Lucas explica que, nos casos menos graves, é possível recorrer ao jejum, a algumas medicações específicas e a determinados procedimentos menos invasivos, como a aspiração do líquido acumulado em razão do entupimento.
O paciente então é monitorado por um tempo, até que sua situação melhore.
Quando o bloqueio do tubo digestivo é maior, geralmente é preciso abrir a barriga para desfazer a obstrução ou remover a estrutura que bloqueia e aflige o intestino.
Quilici e Lucas concordam que a cirurgia é relativamente simples e não costuma estar relacionada a complicações ou a um pós-operatório muito difícil.
“Quando a operação consiste em apenas desfazer a dobra no intestino, a recuperação é rápida, e o quadro costuma evoluir muito bem”, aponta Lucas.
“Agora, se o diagnóstico e a intervenção demoram muito a acontecer, há o risco de a região intestinal afetada sofrer uma necrose, o que exige a remoção desse pedaço”, acrescenta Quilici.
Com reportagem de André Biernath, da BBC News Brasil.
E terminaria com um soco dado pelo autor peruano no então amigo colombiano.
Em janeiro de 1966, García Márquez (que ainda estava trabalhando em Cem Anos de Solidão) escreveu a primeira carta do México para Vargas Llosa, que estava em Paris.
O endereço foi dado a ele por Luis Harss, o jornalista chileno-americano que, sem que soubesse, estava escrevendo o primeiro livro indispensável sobre o boom da literatura latino-americana (Los Nuestros, de 1966, publicado primeiro em inglês como Into the Mainstream).
“Caro Mario Vargas Llosa:
Por meio de Luis Harss, finalmente consegui seu endereço, que era impossível de encontrar no México, principalmente agora que Carlos Fuentes está perdido em sabe-se lá em qual manguezal da selva europeia.
O produtor de cinema Antonio Matouk está animado com a ideia de fazer “A cidade e os cachorros”, dirigido por Luis Alcoriza, no Peru (…).
Aqui, mal podemos esperar para ler A Casa Verde. Quando será publicado? Carmen Balcells, em sua visita ao México, ficou muito entusiasmada com os originais.
Mesmo que o projeto do filme não se concretize, fico feliz com a oportunidade que esta carta me dá de estabelecer contato.
Cordialmente, Gabriel García Márquez”. (1)
Após trocarem cartas por um ano e meio, período durante o qual chegaram a discutir a possibilidade de escrever um romance juntos, García Márquez e Vargas Llosa se encontraram pela primeira vez em 9 de agosto de 1967, no Aeroporto Maiquetía, em Caracas.
Gabo — agora o ilustre autor de Cem Anos de Solidão — chegou como convidado de honra para a entrega do Prêmio Rómulo Gallegos, que Vargas Llosa havia ganhado por A Casa Verde, e para participar de um congresso literário.
Crédito,BBC News Mundo
É assim que Vargas Llosa descreve este momento no livro García Márquez: História de um deicídio (sobre o qual falaremos mais adiante):
“Nos conhecemos na noite em que ele chegou ao aeroporto de Caracas; eu vinha de Londres, e ele, do México, e nossos aviões aterrissaram quase ao mesmo tempo. Antes tínhamos trocado algumas cartas, e até havíamos planejado escrever alguma vez um romance a quatro mãos — sobre a guerra tragicômica entre Colômbia e Peru em 1931 —, mas aquela foi a primeira vez que nos encontramos pessoalmente.
“Lembro-me muito bem dele naquela noite: desconcertado pelo terror recente do avião — do qual ele tem um medo mortal —, pouco à vontade entre os fotógrafos e jornalistas que o assediavam. Tornamo-nos amigos e ficamos juntos nas duas semanas do congresso.”
Era o início de uma grande amizade… que duraria menos de dez anos.
Conversa em Lima
Antes do encontro em Caracas, Vargas Llosa havia escrito uma resenha elogiosa sobre o romance recém-publicado de García Márquez, intitulada “Cem Anos de Solidão: o Amadis na América” (datada da “primavera de 1967”), com a qual deu início a uma relação fascinante com o romance e a obra do escritor colombiano, que culminaria quatro anos depois na publicação de História de um deicídio.
Esse deslumbramento ficaria evidente nas semanas seguintes, quando ambos os escritores visitaram Bogotá e Lima.
Na capital peruana, nos dias 5 e 7 de setembro, eles realizaram um “Diálogo sobre o romance na América Latina” que se tornaria lendário e circularia por décadas em fotocópias ou edições piratas, até ser finalmente publicado pela Alfaguara em abril de 2021.
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O que chamou a atenção tanto daqueles que presenciaram o diálogo (quanto dos leitores posteriores) é que, apesar de ser, naquela época, o romancista mais conhecido e estabelecido dos dois, Vargas Llosa agiu como uma espécie de entrevistador de García Márquez, que durante a conversa proferiu algumas de suas boutades, as frases espirituosas que o caracterizariam dali em diante (como a de que ele havia tentado escrever o romance aos 17 anos, ou que iria morar na Europa porque era mais barato).
Por acaso, foi nesta visita a Lima que nasceu o segundo filho de Vargas Llosa, que ele batizou de Gabriel Rodrigo Gonzalo em homenagem a García Márquez e seus dois filhos. Os padrinhos foram, é claro, Gabo e sua esposa, Mercedes Barcha.
Cada um voltaria então para sua respectiva casa. Mas não muito tempo depois, eles estariam morando com suas famílias em Barcelona, literalmente parede com parede.
Barcelona, capital do mundo
Ainda em Londres, Vargas Llosa continuaria a escrever seu próximo romance, Conversa no Catedral, ao mesmo tempo em que preparava um curso sobre García Márquez, que daria em Porto Rico em 1968, e que seria o embrião de seu longo ensaio sobre o autor colombiano.
Gabo já havia se mudado para Barcelona com Mercedes e os dois filhos (em novembro de 1967), incentivado por Carmen Balcells, a superagente literária que sempre procurou garantir que seus autores pudessem viver do que escreviam, sem distrações adicionais, algo nunca visto antes na América Latina.
Balcells fez a mesma oferta a Vargas Llosa, que em 1970 se mudou com a prima e esposa, Patricia Llosa, e os dois filhos para a capital catalã. Lá, em 1974, nasceria sua filha Morgana.
Em 1970, após dois anos de trabalho, ele concluiu seu livro García Márquez: História de um deicídio, o primeiro grande texto (e talvez o melhor) escrito sobre a obra do escritor colombiano (que, ao mesmo tempo, serviu como tese para um doutorado que ele não havia terminado na Espanha).
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Muitos ficaram surpresos com a generosidade entre dois colegas que eram, ao mesmo tempo, concorrentes.
Em seu livro Historia personal del Boom (“História pessoal do Boom“, em tradução livre), o escritor chileno José Donoso relembra o que um crítico italiano disse a ele sobre o assunto:
“Na Itália, seria impossível para um escritor como Vargas Llosa escrever um livro sobre a obra de outro escritor como García Márquez. E que os dois estivessem na mesma reunião sem que um deles colocasse veneno no café do outro — bem, isso pareceria ficção científica.”
Carmen Balcells os definiu de forma imbatível: “Vargas Llosa é o primeiro aluno da turma, e García Márquez é um gênio”.
“Basta olhar para eles. Qualquer pessoa que os conheça sabe do que estou falando. Mario é um intelectual, alguém com uma cabeça muito bem estruturada, que acumula conhecimentos eruditos sobre vários assuntos e, ao mesmo tempo, é capaz de criar grandes obras. Seu discurso intelectual é de grande estatura, é o primeiro aluno da turma, com louvor.”
“Em contrapartida, Gabo é um gênio no sentido de que é um monstro criativo, uma força da natureza, alguém tocado pela mão de Deus, que tem um dom, e não se dedica a elaborar teorias ou análises sobre a cultura. Me parece algo que os descreve sem valorizar um em detrimento do outro. Sou apaixonada por ambos.”
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No mesmo livro, Donoso data o fim desse fenômeno literário como um projeto compartilhado na véspera do Ano Novo de 1970, “em uma festa na casa de Luis Goytisolo, em Barcelona”, onde estavam presentes Julio Cortázar, Vargas Llosa, García Márquez, Carmen Balcells e Sergio Pitol.
“Naquela noite, se falou acima de tudo da fundação da revista Libre (…) e como ela seria estruturada, expandindo a lista restrita de diretores com a qual começou, até se decidir por diretores rotativos e uma longa lista de membros contribuintes.”
Queda livre
E foi justamente com a primeira edição da revista Libre que começou uma profunda ruptura entre alguns intelectuais ocidentais e Cuba.
Incentivados pelo espanhol Juan Goytisolo e apoiados financeiramente por uma rica herdeira franco-boliviana, alguns dos mais renomados escritores latino-americanos se reuniram para editar a novíssima revista de esquerda da capital francesa.
Entre eles, estavam os quatro principais representantes do boom (Vargas Llosa, García Márquez, Julio Cortázar e Carlos Fuentes), além de Octavio Paz, José Donoso, Severo Sarduy, Claribel Alegría, Plinio Apuleyo Mendoza e Jorge Edwards.
A história completa é contada no quarto capítulo do livro En los reinos de Taifa, de Juan Goytisolo: o primeiro número da revista Libre já estava pronto para impressão quando o chamado “caso Padilla” foi apresentado em Cuba.
Heberto Padilla foi um poeta cubano que participou da revolução e ocupou o cargo de representante do Ministério do Comércio Exterior em Praga. No entanto, no fim da década de 1960, ele começou a criticar e zombar abertamente da política cultural do governo Castro.
Em março de 1971, ele foi preso e, pouco depois, foi divulgada uma “confissão” caricata, que lembrava os julgamentos stalinistas, o que deixou muitos escritores estrangeiros amigos da ilha caribenha furiosos.
Liderados por Vargas Llosa e Goytisolo, vários intelectuais e escritores (incluindo Sartre, Cortázar, Susan Sontag, Italo Calvino, Simone de Beauvoir, Octavio Paz, Alberto Moravia e Marguerite Duras) enviaram uma carta moderada a Fidel Castro apoiando Padilla antes de sua confissão ser divulgada.
Não foi possível localizar García Márquez, que na época estava na Colômbia, em uma das frequentes viagens que ele fez à região enquanto escrevia O Outono do Patriarca para se reconectar com o ambiente caribenho e poder refleti-lo no livro.
É por isso que, depois de procurá-lo em vão, Plinio Apuleyo Mendoza, editor-chefe da revista, deu permissão para colocar o nome do amigo sem consultá-lo, certo de que ele concordaria.
Mas não foi este o caso: uma carta de Barranquilla, na qual Gabo explicava que não queria assinar nada “até ter informações completas sobre o assunto”, havia sido extraviada pelos correios. (2)
Fidel Castro ficou furioso com a primeira carta dos escritores, e fez um duro discurso contra os signatários, “intelectuais burgueses, panfletários e agentes da CIA (…) os pseudoesquerdistas sem vergonha que querem ganhar louros vivendo em Paris, Londres, Roma”. Também proibiu todos os signatários de entrar em Cuba “por um período de tempo indefinido e infinito”
Quase simultaneamente, a “confissão” de Padilla foi divulgada.
Mario Vargas Llosa convocou então uma reunião de emergência em sua casa em Barcelona, onde uma segunda carta, muito mais incisiva e contundente, foi redigida.
Gabriel García Márquez e Julio Cortázar se recusaram a assiná-la.
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A primeira edição da revista Libre foi adiada para o outono para que pudesse incluir um dossiê completo sobre o caso Padilla, com todos os pontos de vista, incluindo o discurso de Castro, as duas cartas dos intelectuais e a “confissão” do poeta, além de mensagens a favor e contra de escritores e artistas latino-americanos.
A revista também publicou um poema de Cortázar, no qual ele se distanciava completamente das críticas ao governo cubano (antes, ele o bajulava), e uma entrevista com García Márquez que, de acordo com Juan Goytisolo, foi “um prodigioso exercício de acrobacia cuja virtuosidade inspira admiração, se não respeito”, na qual ele conseguiu não criticar os intelectuais signatários, e não romper com o regime cubano.
A revista, que acabou pela falta de dinheiro e por divisões internas, só conseguiu publicar quatro edições.
Um soco no Palácio de Belas Artes
Quem melhor contou a história do fim da amizade entre Vargas Llosa e García Márquez foi Xavi Ayén em seu livro Aquellos años del Boom (“Aqueles anos do Boom“, em tradução livre).
Na obra, ele deixa claro que a amizade não terminou por causa do “caso Padilla”, pois ambos os escritores continuaram morando e se vendo em Barcelona. No entanto, estava claro que algo havia se rompido.
Em seu livro Vargas Llosa, el vicio de escribir (“Vargas Llosa, o vício de escrever”, em tradução livre), de 1991, JJ Armas Marcelo relembra uma tarde de 1973 em Barcelona, quando o peruano o apresentou ao colombiano, que chegou ao encontro vestindo o macacão azul de operário que usava enquanto trabalhava no que viria a ser O Outono do Patriarca:
“Naquela mesma reunião, notei que MVLL estava falando pouco. Olhava para García Márquez com um certo distanciamento, e cheguei a uma conclusão, talvez preconceituosa na época: o romancista peruano não gostava de muitas das ‘saídas’, mais ou menos fáceis, que o colombiano demonstrava em público. ‘Agora vou ao cinema’, disse García Márquez ao se despedir. ‘Vestido assim’, perguntei a ele de forma um pouco provocativa. ‘É claro’, ele respondeu, ‘é para assustar a burguesia’. E MVLL olhou para ele novamente com desdém.”
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Em seu livro, Ayén deixa claro que o motivo do rompimento definitivo não foi político — mas, sim, algo muito mais banal e humano.
Resumindo: em meados de 1974, quando voltaram a viver no Peru, Vargas Llosa se apaixonou por outra mulher, e deixou Patricia e os filhos.
Em maio de 1975, Patricia Llosa viajou para Barcelona, onde foi recebida pela família García Márquez. A partir daí surgiu a versão de que (talvez em tom de brincadeira) Gabo teria se insinuado para ela.
Pouco tempo depois, os Llosa voltaram a viver juntos.
Isso é explicado em mais detalhes no livro de Ayén, que me disse que, antes de sua publicação, ele havia enviado o texto tanto para García Márquez quanto para Vargas Llosa e suas famílias para que dissessem a ele se algo que havia escrito não era verdade.
Em 12 de fevereiro de 1976, no Palácio de Belas Artes da Cidade do México, houve a pré-estreia do documentário La Odisea de los Andes, com roteiro de Vargas Llosa, sobre o time de rugby uruguaio que sobreviveu a um acidente de avião por 72 dias na Cordilheira dos Andes, em alguns casos recorrendo ao canibalismo.
Segundo Xavi Ayén, a “nata da intelectualidade mexicana” estava no saguão do belo edifício, incluindo a família García Márquez com alguns amigos.
“‘Com licença, vou cumprimentar o Mario’, disse ele antes de entrar na sala de projeção. Lá, ele se dirigiu ao peruano e levou um soco muito forte: ‘Isso é pelo que você fez com a Patrícia em Barcelona’, deixou claro o agressor.”
Na biografia Gabriel García Márquez: Uma Vida, Gerald Martin escreve: “É evidente que Mario chegou à conclusão de que García Márquez havia colocado sua preocupação com Patrícia acima da amizade que os unia. Somente García Márquez e Patricia Llosa sabem o que aconteceu.”
Os anos seguintes
Nos anos que se seguiram, ambos se recusaram a falar sobre o que aconteceu, e Vargas Llosa disse que deixava o assunto para “os historiadores”.
Até onde se sabe, eles nunca mais voltaram a se falar em particular e, em público, houve alguns poucos comentários e impropérios, especialmente por parte de Vargas Llosa, sobre a posição política de García Márquez em relação a Cuba e sua amizade com Fidel Castro.
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O escritor peruano proibiu a reedição do estudo História de um deicídio (que teve duas edições em 1971), que se tornou um objeto de culto entre os amantes da literatura latino-americana.
O livro só voltaria a ser impresso em 2006, por ocasião da publicação das obras completas do peruano, e como parte de seus volumes de ensaios. Como obra individual, só foi reeditada em 2021, cinquenta anos após sua publicação.
Em uma das últimas vezes em que falou em público sobre García Márquez, no verão de 2017, durante um curso na Universidade Complutense de Madrid sobre a obra do colombiano, quando perguntado se haviam se visto novamente após o afastamento, Vargas Llosa respondeu com uma risada:
“Não… Estamos entrando em um território perigoso, acho que chegou a hora de encerrar esta conversa.” (3)
No entanto, aparentemente houve uma tentativa de reconciliação intermediada por amigos de ambos, quando os dois escritores estavam em Cartagena para o Hay Festival — mas, àquela altura, Gabo já estava sofrendo com a perda de memória.
A história, quem sabe, vai se encarregar de reconciliá-los.
(1) Citado no livro De Gabo a Mario, de Ángel Esteban e Ana Gallego, editora Espasa, 2009. As cartas estão na Universidade de Princeton. A carta também foi incluída no livro Las cartas del Boom, publicado em 2023 pela Alfaguara. De acordo com o livro, a última carta trocada foi em março de 1971, enviada por García Márquez a Vargas Llosa de Barranquilla, na Colômbia.
(2) Citado no livro Gabo, cartas y recuerdos, de Plinio Apuleyo Mendoza, Ediciones B, 2013.
(3) Na peça Al pie del Támesis, publicada por Vargas Llosa em 2008, um dos personagens relembra que, 35 anos antes, deu um soco no melhor amigo (“um soco de boxeador”), que acabou com a amizade deles.
“O caso de Bolsonaro é um caso muito difícil”, disse o escritor.
“As palhaçadas de Bolsonaro são muito difíceis de se admitir para um liberal. Mas entre Bolsonaro e Lula, prefiro Bolsonaro, desde já. Com as palhaçadas de Bolsonaro. Lula, não.”
Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, também em 2022, Vargas Llosa disse que torcia pela derrota do petista, mas afirmou também não ter muita simpatia por Bolsonaro.
O escritor afirmou ainda, segundo o jornal, que havia no Peru quatro presidentes com processos na Justiça em decorrência da operação Lava-Jato.
“Em grande parte, todos eles foram vítimas de Lula, pois ele utiliza, digamos, a Presidência para corromper os governantes latino-americanos. No Peru, causou estragos.”
Vargas Llosa disse que “não gostaria de estar na situação de ter que escolher entre Lula e Bolsonaro”, mas que “realmente jamais votaria em Lula”, pois “ele foi um homem que corrompeu profundamente.”
Quanto questionado pelo jornal sobre a anulação de processos contra Lula na Lava-Jato, ele disse que foi “por questões técnicas” e que “alguns juízes também têm seus preferidos na política. Torço para que não elejam de novo Lula, pois ele está muito associado à corrupção.”
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As declarações de Vargas Llosa em 2022 não foram exatamente uma novidade: em outro evento em Buenos Aires, em 2016, ele já havia feito críticas a Lula, conforme noticiou a AFP à época.
“De repente, os brasileiros foram os primeiros a descobrir que o governo de Lula é a fonte de uma corrupção que não tinha precedentes na história brasileira.”
O escritor afirmou que a crise vivida no país em 2016 era saudável, mesmo ano em que a ex-presidente Dilma Rousseff foi afastada do cargo.
Para ele, a ex-presidente “herdou uma corrupção que nasce com Lula, então é bom que o Brasil viva essa catarse e desmistifique seus santos”.
De apoiador de Fidel Castro a liberal
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Jorge Mario Pedro Vargas Llosa nasceu em Arequipa, no Peru, em 1936. Como muitos intelectuais, ele chegou a apoiar Fidel Castro. Ele já havia viajado algumas vezes como jornalista à ilha e chegou a apoiar plenamente a Revolução Cubana.
“Para a minha geração, e não só na América Latina, o que aconteceu em Cuba foi decisivo — um antes e um depois ideológico”, escreveria no prólogo de seu livro de ensaios O Chamado da Tribo.
“Muitos, como eu, viram na gesta fidelista não apenas uma aventura heroica e generosa, de combatentes idealistas que queriam não só acabar com uma ditadura corrupta como a de Batista, mas também construir um socialismo não sectário, que permitisse a crítica, a diversidade e até a dissidência.”
Vargas Llosa disse ter se desiludido com o líder comunista após o “Caso Padilla”, quando o poeta Heberto Padilla foi preso por criticar o governo cubano em 1971.
Padilla era um poeta cubano que havia participado ativamente da Revolução Cubana e, inclusive, chegado a ocupar o cargo de vice-ministro do Comércio Exterior. No entanto, no final dos anos 1960, passou a criticar abertamente a política cultural do governo.
Em março de 1971, foi preso e, pouco depois, veio a público uma “confissão” caricatural, que lembrava os julgamentos stalinistas, provocando a fúria de muitos escritores estrangeiros amigos da Revolução.
Liderados por Goytisolo e Vargas Llosa, vários intelectuais e escritores (incluindo Sartre, Susan Sontag, Italo Calvino, Simone de Beauvoir, Octavio Paz, Alberto Moravia e Marguerite Duras) enviaram duas cartas a Fidel Castro em apoio a Padilla.
Isso enfureceu Castro, que fez um duro discurso contra os signatários e os proibiu de entrar em Cuba “por um tempo indefinido e infinito”.
No final dos anos 1970, Mario Vargas Llosa passou a residir em Londres, já como um escritor consagrado, que podia viver daquilo que escrevia.
Foi uma fase fundamental: presenciou a ascensão de Margaret Thatcher ao poder e, ao mesmo tempo, leu — e chegou a conhecer — grandes pensadores liberais contemporâneos, como Isaiah Berlin e Karl Popper.
Em uma mudança ideológica profunda, ele adotou as ideias liberais e, desde então — assim como havia feito anteriormente com as ideias de esquerda — passou a defendê-las com unhas e dentes, tanto por escrito quanto em público.
Em 2019, em entrevista à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, disse que “o liberalismo está associado à ideia de liberdade, e acredito que a defesa das liberdades é algo absolutamente essencial”.
“Para o liberalismo, o essencial são as ideias, os valores, e dentro deles a ideia de liberdade é absolutamente central. Uma ideia que não pode ser dissociada, dividida ou fragmentada.”
Não muito depois de sua conversão, ele teria a oportunidade de defender essas ideias na arena política.
Em agosto de 1987, quando o então presidente peruano Alan García anunciou que nacionalizaria os bancos e as companhias de seguros, Vargas Llosa — que estava de férias em seu país — decidiu se opor publicamente.
O sucesso de sua mobilização foi tal que o presidente acabou desistindo do plano de nacionalização, e o escritor decidiu lançar-se à Presidência.
No entanto, depois de um início de campanha promissor, o escritor transformado em político enfrentou em 1990 um fenômeno que primeiro o surpreendeu e depois o derrotou: Alberto Fujimori, que, durante a campanha, passou a caracterizar Vargas Llosa como um neoliberal rico de direita radical.
Vargas Llosa retornou imediatamente à Europa para se recuperar desta empreitada e escreveu Peixe na Água, jurando nunca mais se envolver diretamente com a política.
Sua imagem como neoliberal alinhado à direita radical se manteve ao longo dos anos, apesar de também ter posições em temas sociais e políticos consideradas progressistas: defendia o aborto, a eutanásia, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a legalização das drogas e era crítico do tratamento dado por Israel aos palestinos.
Era um defensor da democracia como sistema político e considerava o capitalismo, o livre mercado e a globalização como os melhores caminhos para tirar um país da pobreza.
Embora na entrevista à BBC News Mundo ele tenha ponderado, dizendo que “há quem acredite que o mercado resolve tudo, eu não acredito nisso, nem de longe, e tampouco acho que essa seja a essência do liberalismo”, Vargas Llosa manteve até o fim sua admiração por Thatcher e o ex-presidente americano Ronald Reagan, além de uma relação próxima com políticos conservadores da Espanha e da América Latina, como Álvaro Uribe, Sebastián Piñera e José María Aznar.
“O que eu faço aqui não é romantizar. Eu estou compartilhando a minha experiência.”
A frase é da profissional do sexo Sara Müller, que acumula mais de 60 mil seguidores em suas contas nas redes sociais. A paulista de 30 anos publica vídeos quase diários no TikTok sobre o dia a dia da profissão, respondendo perguntas sobre a razão de ter escolhido a carreira e os desafios de trabalhar com sexo.
Ao pé de suas publicações, comentadores se alternam entre elogios à coragem por falar de um assunto tabu – “fala a realidade e tira todos os estereótipos” – e críticas sobre a forma como o tema é tratado – “quer glamourizar a profissão”.
“As pessoas acham que a profissional do sexo é uma coitada, que só passa perrengue e apuro. Aí quando aparece alguém falando que está se dando bem, é acusada de estar romantizando”, rebate Sara, que trabalha na área desde 2015.
“A profissional que trabalha com sexo não tem que ficar marginalizada, escondida”, afirmou ela à BBC Brasil. “Eu gosto de fazer vídeos justamente para tentar abrir a mente das pessoas. É um trabalho como qualquer outro.”
Mas ela não é a única “mulher do job” ou GP (abreviação de garota de programa) repreendida nas redes sociais pela franqueza com que trata de sua profissão.
Perfis de profissionais do sexo que usam plataformas como TikTok e Instagram para divulgar seu trabalho se multiplicaram nos últimos anos, com reações mistas por parte do público.
Além dos vídeos sobre o dia a dia da profissão, as influencers usam o espaço para passar dicas de segurança, compartilhar segredos de beleza e até oferecer mentoria para iniciantes.
“Quando falamos sobre ‘job’, significa nada mais nada menos do que programa”, explica em sua conta Mariel Fernanda, que tem quase 160 mil seguidores em seu TikTok.
A categoria cresceu tanto nas redes sociais que ganhou até referências em músicas e se tornou tema para influenciadores de outros nichos. Não é raro, por exemplo, se deparar com blogueiras especializadas em moda ou beleza repassando indicações sobre o perfume mais atraente, o batom mais resistente ou o melhor método de depilação usado pelas “mulheres do job”.
Mas também há quem condene a exploração do corpo da mulher, apoie a abolição da atividade e acuse as criadoras de conteúdo de romantizarem a profissão.
As críticas giram principalmente em torno do temor de que a popularização dos vídeos e das músicas sobre o tema possam influenciar uma nova geração a se aproximar do trabalho sexual sem conhecer a sua realidade completa.
A preocupação também já foi manifestada pelas próprias trabalhadoras sexuais. “Eu sinto que tem muita menina iludida. E está na hora de acordarem para a vida, porque o job não é o mundo da Disney”, desabafou uma delas em seu perfil no TikTok.
‘A quem interessa a falta de informação?’
Para Deusa Artemis, profissional do sexo e criadora de conteúdo que usa o codinome no dia a dia de sua profissão, as redes sociais são justamente uma forma de combater a falta de informação.
“Entramos para prostituição sem nenhuma informação – e isso leva muita gente achar que é um trabalho fácil”, disse em entrevista à BBC Brasil. “O que muitas meninas fazem, inclusive eu, é divulgar e conversar para que o trabalho seja mais seguro e para que se crie uma comunidade mais unida.”
Em sua conta no TikTok, que tem mais de 25 mil seguidores, ela divulga orientações sobre como iniciar na carreira, sugestões para aumentar o lucro e dicas de segurança e saúde.
“Não vejo nenhuma GP romantizando a profissão. Todas que sigo estão mostrando o seu dia a dia, falando das dificuldades e das coisas boas – porque tem coisa boa também, viu?”, defende.
“A quem interessa que uma menina entre no trabalho sexual sem nenhum tipo de informação?”, questiona a paulista de 32 anos. “Só ao homem que vai usufruir desse serviço e tirar vantagem dessa mulher.”
Ela se diz ainda muito incomodada pela “hipocrisia” com que grande parte da sociedade trata as profissionais do sexo.
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“Ao mesmo tempo em que me sentia marginalizada, era tratada com agressividade por alguns, não parava de ser procurada pelos homens que usam e abusam desse serviço”, relata.
Profissional do sexo há pelo menos dois anos, ela começou a cursar Ciências Sociais em uma faculdade federal para ajudá-la em seu objetivo como defensora da causa.
“Entrei nas redes sociais justamente para bater de frente com o hate [ódio, em inglês].”
A gaúcha Monique Prado também vê nas redes sociais uma forma de combater o preconceito.
“Através das redes sociais, vemos cada vez maior o número de pessoas se declarando trabalhadoras sexuais – homens e mulheres, cis e trans. Saber que existem, acompanhar a rotina e postagem dessas pessoas é muito positivo, ajuda a combater o estigma, mostra que existimos e estamos mais perto do que as pessoas imaginavam”, diz à BBC Brasil.
Monique atua como profissional do sexo desde os 19 anos e nas redes sociais divulga não apenas seu trabalho como acompanhante e produtora de conteúdo adulto, mas também escritora e ativista.
“Que a gente mostre este lado que a sociedade esconde, que o trabalho sexual é um trabalho, que também somos bem tratadas, que muitas vezes ganhamos bem e que nosso trabalho nos permite ter uma vida digna, muitas vezes estendendo ela a nossas famílias, me parece muito positivo e ajuda demais a amenizar o estigma”, afirma.
‘O job não é o mundo da Disney’
Além de usar suas redes sociais para contar histórias do seu trabalho, Sara Müller também oferece serviço de mentoria para outras mulheres no trabalho sexual.
“Faço uma análise do contexto das mulheres que me procuram, do porquê que elas querem começar e dos caminhos que elas podem pegar baseado na minha vivência”, relata.
“Indico métodos que funcionaram para mim, como abrir uma rede social e investir em ensaios de foto, por exemplo. Mas nunca vou falar para alguém começar numa boate, porque eu nunca passei por isso.”
Sara afirma ainda que a grande maioria das pessoas que a procuram já atuam como trabalhadoras sexuais, ainda que há pouco tempo. Ela afirma nunca ter auxiliado mulheres que estavam “deslumbradas” ou pouco cientes das dificuldades e riscos da carreira.
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E ela não é a única que usa a plataforma para buscar clientes entre as próprias profissionais do sexo.
Mariel Fernanda, por exemplo, oferece aconselhamento para mulheres maiores de 18 anos que queiram produzir conteúdo adulto para a internet. “Seu corpo, suas regras, seu lucro”, diz seu site, Mentoria para Musas.
Além de um canal no Telegram para compartilhamento de experiências, a mentoria inclui aconselhamento particular e documentos, fotos, áudios e vídeos com dicas.
Outra influenciadora do meio, que se identifica nas redes apenas como Dihmayara, afirma que é procurada com frequência por mulheres que querem entrar no ramo, apesar de não oferecer nenhum serviço oficial de aconselhamento.
Em uma série de vídeos postados em fevereiro, ela se abriu sobre sua frustração em torno da romantização da profissão.
“A mensagem que mais recebo no direct [caixa de mensagens privadas no Instagram ou TikTok] é ‘quero entrar para o job'”, diz. “Quando leio, penso ‘meu, quem foi que romantizou a prostituição?'”.
Dihmayara afirma sempre ter falado “a verdade sobre o job” e se preocupar com mulheres que “acham que vai ser fácil” entrar para a prostituição. “Parem de achar que job é conto de fadas, é um mundo da Disney”, diz.
“Parem de achar que as meninas que vocês seguem por aí que romantizam o job tem uma vida perfeita – porque elas não têm”, diz. “A gente só posta a parte boa da vida, e com o job é a mesma coisa.”
A trabalhadora do sexo e influenciadora também usou as redes sociais para fazer um alerta para as mulheres que desejam seguir a carreira em busca de “dinheiro fácil”.
“A parte ruim existe e ela é 80% do job”, desabafou.
Um fenômeno histórico
O antropólogo Thaddeus Blanchette, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador associado do Observatório da Prostituição, reconhece os muitos desafios que as trabalhadoras do sexo enfrentam em seu cotidiano, mas associa as acusações sobre romantização ao estigma que envolve o tema.
“Ninguém questiona se qualquer outra profissão está sendo glamourizada nas redes sociais”, diz. “Não vemos questionamentos sobre a romantização da profissão de policial em filmes e programas de TV, por exemplo.”
Para Blanchette, ninguém escolhe a prostituição por glamour. “Basta apenas observar a forma como as profissionais do sexo são tratadas na sociedade brasileira para perceber que a ideia de que um vídeo na internet pode glamourizar a vida de prostitutas não faz sentido nenhum”, diz.
“Devemos olhar para os problemas que as trabalhadoras do sexo enfrentam e discutir como podemos, como sociedade, ajudá-las e protegê-las. Não falar de glamourização”, diz o especialista.
Ele alerta, porém, que pode haver exceções. “Mas claro, tudo depende de quem está produzindo e qual é o conteúdo. Estou dando apenas uma visão geral, sem analisar nenhum caso específico.”
No Brasil, a prática da prostituição por adultos, de forma voluntária e autônoma, não é criminalizada. O que o Código Penal Brasileiro considera crime é a exploração da prostituição alheia, especialmente quando há lucro com o trabalho sexual de outra pessoa.
E apesar da Classificação Brasileira de Ocupações reconhecer a prostituição como trabalho livre, os profissionais do sexo não têm acesso formal a direitos trabalhistas no país.
Ainda segundo o pesquisador, a adaptação das “mulheres do job” às redes sociais, da maneira como estamos observando hoje, era só questão de tempo.
“A prostituição está e esteve presente em todas as sociedades do mundo, segundo os arquivos históricos. E toda vez que uma nova mídia de comunicação surge, as trabalhadoras do sexo se adaptam a ela para encontrar clientes, escapar de exploradores e aumentar a sua segurança”, diz. “Os primeiros grupos a usar os jornais para colocar propagandas no século 18, foram as prostitutas.”
“Então o que estamos vendo agora não é nada novo.”
Marginalização e violência
Especialistas que atuam na área consultados pela BBC Brasil reconhecem, porém, que há um abismo de desigualdade na forma como o trabalho sexual é exercido e tratado no Brasil.
Isto é, as “mulheres do job” que ganham a vida cobrando altos valores por encontros usam as redes sociais para atrair clientes ou realizam apenas atendimentos virtuais são apenas uma amostra do que significa ser profissional do sexo no Brasil atualmente, dizem.
A delegada de polícia e doutora em Sociologia e Direitos Humanos Cyntia Carvalho e Silva chama a atenção para a importância de enxergar a ocupação como um todo.
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“A prostituição de rua, por exemplo, não é nada glamourizada. Muitas prostitutas vivem marginalizadas, especialmente as mulheres trans, negras e as prostitutas mais idosas”, diz. “Há muitos casos também de pessoas que se prostituem para alimentar o vício, aceitando fazer um programa por algo como R$ 5 ou uma pedra de crack.”
Segundo a profissional que atua na Delegacia de Combate à Discriminação no Distrito Federal, muitas profissionais do sexo também vêm seu ofício associado à criminalidade contra a sua vontade.
“Apesar da crença de que a prostituição está sempre ligada ao tráfico de drogas, na maioria das vezes são as prostitutas que se tornam vítimas dessa criminalidade”, argumenta Carvalho e Silva.
Além disso, não são incomuns os casos de violência contra trabalhadoras do sexo, afirma. Segundo a delegada, as agressões partem principalmente dos exploradores, mas também em alguns casos dos clientes.
Mas segundo ela, é difícil ter uma ideia precisa do quanto a violência afeta as profissionais do sexo no Brasil, já que a subnotificação é grande e, quando denunciados, os casos nem sempre são registrados de uma maneira que identifique a verdadeira ocupação da vítima.
“As profissionais do sexo têm que ser ouvidas, temos que falar sim da atividade de prostituição, mas sempre trazendo esse contraponto de que é uma atividade difícil, heterogênea e que não tem acesso a direitos trabalhistas no Brasil neste momento”, opina Carvalho e Silva.
O antropólogo Thaddeus Blanchette estuda ainda como essa desigualdade na forma de exercer o trabalho sexual cresceu durante e após a pandemia de covid-19.
“Há uma enorme divisão entre quem pode usar as novas mídias sociais e quem não tem ideia ou condições de como fazer isso”, afirma.
Segundo o pesquisador, enquanto parte das profissionais do sexo se especializaram em produzir conteúdo para a internet, outra parcela encontrou dificuldade de navegar nas novas mídias. “Grupos de mulheres mais velhas, acima de 40 anos, tiveram que tomar cada vez mais riscos ou migrar para outros trabalhos incrivelmente mal-remunerados para continuar a ganhar dinheiro”, relata.
‘A gente se complementa’
Por tudo isso, a ativista e profissional do sexo Juma Santos acredita que o caminho para a conquista de mais direitos e respeito passa por uma união entre todas as classes e gerações.
Ela é coordenadora da Rede de Redução de Danos e Profissionais do Sexo do DF e fundadora da Tulipas do Cerrado, uma organização sem fins lucrativos que ampara profissionais do sexo e moradores de rua do Estado.
As mulheres e homens no seu dia a dia, relata, têm uma realidade muito distinta daquela mostrada pelas do “job” nas redes sociais.
“Mas isso não quer dizer que elas estejam negligenciando uma parte da comunidade”, diz. “Essa realidade não faz parte do cotidiano delas, e é muito difícil querer abranger todo o trabalho sexual.”
Ao mesmo tempo, diz Juma Santos, as gerações mais velhas de profissionais do sexo têm muito a contribuir no debate sobre luta contra estigmas e conquista de direitos pela classe.
“As ‘meninas do job’ estão dando um grande passo na nossa luta. O desafio agora é unir o novo ao antigo para que nós consigamos trabalhar unidas e atingir todos os públicos.”